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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Diálogos I

- Há quanto tempo estão te perseguindo?
-Desde que denunciei um deles para o governo. Isso desestruturou toda organização.
-E o que aconteceu com ele?
-Não sei. Talvez esteja preso em alguma prisão de segurança máxima.Mas pode ter sido exterminado também.
-O governo tem muitos segredos. Já esperava isso.
-Poisé. Desde que começaram a me perseguir não tive mais sossego. Minha família só anda com seguranças altamente treinados. Recomendações do governo.
-Isso não afeta a sua privacidade?
-Eventualmente. Dispenso-os sempre que me sinto seguro. Aqui por exemplo. Nada poderia me acontecer em um restaurante.
-Já soube de atrocidades que aconteceram em restaurantes. Gangsters de alta periculosidade foram encontrados mortos em cozinhas. Muito cuidado amigo.
-Não estamos mais nessa época, hoje a história é outra. A mídia não tem mais frescuras. O que acontecer comigo será notícia.
-Aquele cara de chapéu e bigode parece estar te controlando. Não acha que...
-Não,não. Se você notou é porque não é. Eles são profissionais. Olhos não vigiam. Câmeras sim, elas vigiam.
-No seu paletó.
-O quê?
-Deve haver uma câmera no paletó.
-Não,não. Se você suspeitou do paletó é porque não é. Eles não gostam de obviedades.
-E aquele cara que sentou com ele sem nem cumprimentá-lo? Um tanto suspeito. Será um informante?
-Provavelmente são amigos. Ele devia ter ido ao banheiro.
-O banheiro. Claro. Não vá ao banheiro.
-Como assim?
-Não entende? O banheiro é o local perfeito para um assassinato. Assim que você entrar lá, não sairá mais.
-Bobagem.
-Bobagem nada. O garçom acabou de entregar um papelzinho suspeito para os dois. A sua sentença está naquele papel. Precisamos sumir com ele.
-Aquilo é a conta. Agora senta e come. Não quero problemas aqui.
- Você não percebe o perigo? Não pensa na sua família?
-Penso. Senta e come.
-Agora ele está falando no celular. Chamaram reforços. Vão cercar o estabelecimento.
-Calma. Viu ele mandando beijo? Estava falando com a sua mulher.
-E se o beijo for um código?
-A organização não usa códigos. Os meios de comunicação são irrastreáveis.
-Como você sabe tanto sobre a organizção?
-Me envolvi, sem saber. Eu consertava os computadores.
-Eles te querem morto, tenho certeza. Vamos sair rápido. Pague a conta e vamos.
-Paga pra mim. Esqueci minha carteira em casa.
-Isso não estava nos meus planos. Você comeu os pratos mais caros.
-Poisé. Tenho que aproveitar a vida. Nunca se sabe quando posso partir dessa pra melhor. A organização é tão efetiva com os inimigos.
-Tem razão.
-Agora vamos, assim que eu for ao banheiro.
-Não. No banheiro não.

(dri)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

As Toalhas Mágicas da Etiópia.

A história começa na Etiópia. País do futebol americano. Das grandes pirâmides. Da luta pela liberdade de inexpressão. Do alcool-gel. E principalmente das Toalhas. Toalhas Mágicas, já vou avisando. Foi neste meio cultural de extrema importância mundial que surgiu o nosso herói:

Fábio Carlos, como já diz o nome, era muito bagunçeiro. Sumia com os materiais dos colegas, zoava as professoras, quebrava as portas, entupia as pias dos banheiros e sempre ia mal nas provas. Dona Zefa, sua mãe, uma mulher robusta, muitas rugas no rosto, cheia de dívidas por causa das apostas em corridas de cavalos, não conseguia domar o pequeno capetinha.
Foi um dos dezenove irmãos que alertou para sua mãe:
-Mãe. Fábio Carlos tá usando drogas.
-Quem é Fábio Carlos? - Diz a mãe enquanto apagava o cigarro no filho Nº16.
-É o Nº12. O Pestinha.
-Ah, chama ele aqui, faz favor.
No pátio da casa havia um lugar que podia-se conversar sem ser ouvido. Um armário comido pelos cupins que pegava muito sol; Quando fazia sol. E muita chuva; Quando chovia. Entraram os dois no armário e durante vinte minutos o clima de apreensão tomou conta dos outros irmãos.
-Esse não tem mais jeito.
-Pior é que não.
A porta do armário abriu e junto com alguns cupins, saíram a mãe e o filho arruaceiro.
-Tá decidido. - falou em tom de superioridade - Vai lavar a roupa de todo mundo.
Gritos e palmas da geral. Não havia um castigo pior. Finalmente ele aprenderia a se comportar.
Durante todo o processo de lavagem, Fábio Carlos ouvia os gritos de desaprovação dos irmãos, insatisfeitos com a qualidade da lavagem. Então decidiu acender um baseado. Ele já era independente, tinha treze anos. Não era obrigado a respeitar os irmãos. Acendeu, tragou, e soltou a fumaça. Todos irmãos foram correndo chamar a mãe. No meio do alvoroço, uma toalha que estava no meio da roupa suja flutuou até a sua frente. Fábio Carlos subiu nela e juntos saíram voando. Por cima da favela, viram todos pontos turísticos da Etiópia: As Grandes Cachoeiras do Tráfico, A Ponte Supensa Do Esgoto A Céu Aberto e a réplica do Taj Mahal, feita de madeira e papelão. Logo, desceram em um cabaré e a festa estava boa. Prostitutas, cafetões, sequestradores, maridos malandros. Todos alegres e cantando.
A música parou quando Fábio Carlos chegou no meio do salão. Todas luzes apagaram-se.Uma luz acendeu nele e ouviu-se uma voz:
-Palmas para o pequeno virgem. É hoje!
Aplausos descontrolados, gritos de esperança e preservativos arremessados.
Não fosse o seu pequeno grande problema. Fábio Carlos portava um orgão de mais de 32 centímetros.
Naquela noite as prostitutas se aposentaram. Montaram uma banda de Axé Music. Os cafetões faliram. Os maridos voltaram cabisbaixos para suas respectivas casas e os sequestradores, bom, continuaram sequestrando.

(dri)

Fábulas

Se algumas fábulas fossem adaptadas ao mundo atual elas não fariam questão de acrescentar moralidades às crianças. Aliás. Crianças não existem mais. Todas elas já perderam a ingenuidade e considerariam um conto de fadas algo inútil demais para consumir seus preciosos tempos e ligariam a televisão para assistir Big Brother Brasil.
Uma tentativa de atualizar a história da Cinderela de modo que os pequenos nerdzinhos se interessasem seria, primeiramente, substituindo o sapatinho de cristal por um Prada, e a carruagem de abóbora - crianças não gostam de abóbora - por um Hummer. O motorista seria um representante do hip-hop norte-americano e na saída do baile, a meia noite em ponto, paparazzis.

- Chapéuzinho Vermelho.

-Filha, leve essas coisinhas para a sua avó, sim?
-Não.
Chapéuzinho Vermelho, que não usava mais o capuz para não estragar a chapinha era agora uma adolescente rebelde. Controlada apenas por remédios para hiperatividade, déficit de atenção e ameaças de suspensão da mesada.
-Olha que eu corto a tua mesada.
-Humpf. Tá bom.
Chapéuzinho definiu o status do messenger para "ausente", pegou a encomenda para a vovózinha - caixas de remédios- e dirigiu-se para o asilo. Idosos não vivem sozinhos na floresta. Não no século XXI.
Quanto antes entregasse os remédios para a avó, antes voltaria para casa a tempo de assistir a novela. E não daria o azar de alguma amiga vê-la naquela situação.
Passando pela parada de ônibus alguém interrompeu seus passos compridos:
-Te conheço? - diz Chapéuzinho.
-Aqui na banda sou conhecido por Lobo Mau. - acendendo um cigarro - Te vi no Orkut.
-E nem pra deixar um recado?
-Vou te adicionar, beleza?
-Aham.
Chapéuzinho chegou no asilo, deixou os remédios na recepção mesmo e voltou para casa. Assistia a novela enquanto sua mãe no telefone, cobrava a pensão alimentícia do seu pai.
No Orkut, Lobo Mau mandava recados com fotos pornográficas e convites para fazer strip tease na webcam.

(dri)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Ponteiros

-Que horas são?
-Vai pra puta que pariu!
Assim respondia, na cara dura, o dono e único atendente da loja de relógios, Seu Norberto. Já cansara das piadas que algum infeliz sempre largava ao passar em frente à sua loja. A quantidade de relógios lá dentro era enorme e seria impossível chegar a um horário exato. Os ponteiros tinham vida.
-Oh! Seu Norberto! Que horas são? Preciso tomar meu remédio. - Querendo ver o circo pegar fogo, gritou o farmacêutico que morava na cobertura.
-Cretino.

-x-

Naquela véspera de feriado a loja de relógios não abrira, e durante todo o feriadão continuou fechada para o público. Não ouvia-se um tic-tac, um trililim, nem um piadista de vez em quando. Acabaram-se as piadas sobre os relógios, acabou-se a alegria naquela rua. E talvez o tempo estivesse demorando mais a passar. Demorou, mas chegou, aquela manhã de dia útil:
-Pode abrir, tá na hora. - Seu Norberto, ansioso como uma criança abrindo um pacote de figurinhas.
-Agora sim! Perfeito! Lindo! - Acabara de completar o álbum.
Estava sendo inaugurada a sua nova loja. No mesmo lugar, com os mesmos relógios, apenas uma pintura nova e um novo atendente. Agora as piadas poderiam continuar.
-Rápido Seu Norberto! To atrasado. Que horas são?
-Uma e vinte.
-Como?
-Uma e vinte.
-Ahn, sério?
-Sim. Uma e vinte e um agora.
Com a ajuda do novo assistente acertaram todos relógios para o mesmo horário. Finalmente o fim das piadas sem graça.
-Mas e aquele com números romanos atrás do balcão? Ta certo também?
-Perfeitamente.
-Bom. Ta na hora né. Vou indo.
-Volte sempre.
Uma sensação extasiante ver todos os ponteiros apontando para a mesma direção. Até despertavam todos ao mesmo tempo. Uma beleza. Seu Norberto comteplava o seu cuco enquanto via os minutos passarem e as piadas acabarem.
Então chegou o horário de verão.

(dri)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Mania de Limpeza

Paulo César tinha mania de limpeza. Não era uma mania que o atrapalhava, até lhe garantira um certo respeito entre a sua família, seus amigos e a Lourdes, a faxineira do escritório. Baldes, vassouras, panos de chão; Paulo César sabia usá-los como ningúem. Uma vez em um restaurante fez questão de limpar a mesa - já limpa, nos padrões do restaurante - com o multi-uso que guardava no porta-luvas do carro e mandou um dos garçons tomar um banho. Escândalo no restaurante, nunca mais voltara naquela espelunca.
Renata, a mulher, chegou em casa depois de passar no supermercado, trazendo muitos produtos de limpeza para o marido. Queria vê-lo super disposto para a noite: As crianças estariam na casa da avó e eles poderiam fazer o barulho que quisessem em cima da cama que range.
- Querido cheguei! Trouxe Vanish pra você e um Santa Helena para nós.
O silêncio permanecia em toda casa, que incrivelmente não estava tão limpa.
- Querido?
Um estrondo quase faz a escada de madeira cair. Paulo César surge pelado e visivelmente alterado, cheirando à flores do campo.
- Hoje eu vou passar o esfregão e...e...
O maníaco por limpeza tem uma convulsão e morre a caminho do hospital. No seu quarto foram encontradas latas vazias de Bom Ar e uma carreira de Omo Progress em cima do bidê. Renata até hoje chora ao ver alguém com um espanador de pó.

(dri)